Levado pela maré que para teu ouro corria:
Mal nascia viajei
A juventude te dei
E as tuas gentes amei.
Escolhi ofício e trabalhei
E da guerra fugi e voltei.
Por tantas coisas passei
E tais perigos enfrentei
Que por vezes eu julguei
Que minha vida findava e em tua terra morria.
De Kinshasa a Kisangani
De Kisangani a Luanda
São caminhos do teu corpo
Que meu pensamento demanda.
África és berço, fogo e água
Congo és de vulcão, lume e negra enfeitiçados
Zaire, rio de vida e morte
A força tens, dos que finaram desgraçados.
África de tão loucos anseios
Berço meu, continuado.
A jamais longe de ti,
Me ligo neste sentir magoado
África és mulher fatal
Que enfeitiças os teus amantes
E que de teus encantos,
Guardas os estranhos distantes
Tuas medonhas trovoadas
Tempestades e chuvas fortes
São sinais dos próprios deuses
Que de ti lançam nossas sortes.
Em escaldantes noites de luar
Dos tam-tans, a repercussão
Punha o povo em danças loucas
Como se morrer fosse, de exaustão.
Os teus filhos, em luta pelo sustento
Sem ser esse seu pendor:
Lutam em guerra, de vida ou morte,
Numa batalha de dor.
O bom povo congolês, expoliado,
Humilhado e sofredor
É gente boa. Descuidada
E paciente. Pouco dada ao rancor.
África, terras misteriosas
Berço da humanidade
Que ouro e causas religiosas
Puxam à barbaridade.
Os olhos dos teus feitiços que outrora me fascinavam
Perderam o brilho de então
África, estás sofrendo e só aos teus próprios deuses
Tu deves pedir salvação.
De tuas noites, recordo o perfume
E das alvoradas, o clamor na floresta.
Ao pôr do Sol, o rio vejo de teu sangue clorido,
Por sobre suas águas em festa.
Os ásperos e vivos cheiros
Das comidas em teus mercados
São odores em harmonia
Com os corpos negros, suados
África, feiticeira formosa
Este coração que moldaste
Diz adeus aos teus encantos
Tu, que a minha vida enfeitiçaste.
Adeus, Minha África: Adeus!
Luis Chamusca
1998